quarta-feira, 28 de maio de 2025

Obesidade e Transtorno Bipolar: Uma batalha invisível - Relato pessoal



Falar sobre transtorno bipolar já não é simples, somando ao tema obesidade, torna-se ainda mais complicado. Mas é importante para mim falar, porque talvez você esteja vivendo o mesmo que eu.

Quando recebi meu diagnóstico do TB, eu não imaginei que eu teria outra batalha, que teria que conviver com a constante mudança do meu corpo. Demorei até entender que as duas coisas poderiam estar ligadas.


Remédios que ajudam, mas também pesam (literalmente)


Ao iniciar o tratamento, precisei fazer uso de estabilizadores de humor e antidepressivos. Até aí tudo bem, até que as roupas foram deixando de servir gradualmente. Isso porque alguns dos remédios que tomo/tomei alteram o metabolismo(que, diga-se de passagem, já não era tão bom). O boom de peso aconteceu mesmo de mais ou menos três anos para cá e daí foi só ladeira abaixo.


Comer para aliviar, se culpar depois


É muito comum nas fases depressivas comer para aliviar o estresse, ou porque é menos cansativo pegar algo pronto para comer (ex. biscoito e bolacha). Também a busca por microdoses de prazer é frequente (doces e massas).


Já falei aqui que minha fase predominante é a depressiva, então imaginem, eu nesse ciclo sem fim de comer muito produto industrializado, o que isso não fez com meu corpo.


E a culpa, afinal ainda estamos conscientes que o caminho que estamos tomando não é o melhor. A culpa só contribui para abaixar a nossa já então baixa autoestima, tornando-se difícil sair da fase depressiva.

Um ciclo difícil de quebrar

O problema é que ganhar peso não é só uma questão estética, é saúde física e mental. A autoestima despenca, o cansaço aumenta, a disposição some. Porém, não há como manter isso para sempre. Uma hora precisamos quebrar o ciclo ou ele vai nos quebrar.

Atualmente estou tentando me cuidar melhor, mas não é fácil manter uma rotina saudável, exercitar o corpo mesmo que de leve, só para não ficar parado. Você e eu não somos preguiçosos, fracos, desleixados. Estamos apenas tentando conciliar uma mente que nos trai com o jeito que nosso corpo achou para responder a isso.


Música de hoje: Cyn - I’ll Still Have Me


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Você sabia que o cérebro do bipolar é diferente?



Um estudo de 2023 analisou diversos artigos a fim de entender a neurobiologia do cérebro bipolar e as evidências mostram que, sim, o cérebro bipolar é mesmo diferente do de uma pessoa sem o transtorno.

Eu li o estudo e vou pontuar as principais evidências e conclusões que corroboram com a afirmação.



Perfil Neuroquímico


O perfil neuroquímico se refere a um conjunto complexo de alterações de neurotransmissores, substâncias químicas produzidas pelos neurônios, que regulam o humor. No caso do TB, esse perfil é composto pela serotonina, dopamina e noradrenalina. Vamos entender o que cada um faz no cérebro bipolar.


  1. Serotonina

Desempenha um papel essencial de regulação do humor. Sugere-se que o desequilíbrio nos níveis está associado às variações de humor vistas no transtorno bipolar. Baixos níveis estão associados a episódios depressivos, enquanto flutuações a episódios maníacos.


  1. Dopamina

Implicada na sensação de recompensa, motivação e regulação do prazer. A dopamina pode estar associada às manifestações de episódios maníacos Níveis elevados podem contribuir para a euforia característica desses episódios.

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  1. Noradrenalina

Papel vital na resposta ao estresse e na regulação da energia. Variações podem influenciar na regulação do sono, agitação e intensidade dos episódios, tanto nas fases depressivas, quanto nas maníacas.



Contribuições Genéticas


É uma área de intenso estudo e muito importante para compreender a neurobiologia do TB. “A neurobiologia é complexa e multifatorial, envolvendo uma interação complexa entre múltiplos genes e fatores ambientais. A combinação de diferentes variantes genéticas contribui para a diversidade de apresentações clínicas e respostas ao tratamento observadas nos indivíduos afetados.” — Diz o estudo.


Hereditariedade


Estudos sugerem fortemente a hereditariedade do transtorno. Indivíduos que têm parentes de primeiro grau com o transtorno têm um risco significativamente maior de desenvolvê-lo.

A realização de Estudos de associação genômica ampla (GWAS) permitiram examinar variantes genéticas em grandes populações, identificando diversos loci genéticos relacionados ao transtorno. Essas descobertas fornecem pistas sobre quais genes podem desempenhar um papel na genética bipolar, embora a função exata desses genes ainda precise ser totalmente compreendida.


Alterações Neuroanatômicas do Transtorno Bipolar


Estudos neuroanatômicos revelam alterações em diversas regiões cerebrais em indivíduos bipolares.


  1. Hipocampo

Essencial para memória e regulação emocional, revela reduções volumétricas, associadas a déficits na regulação do humor;

  1. Amígdala

Ligada às respostas emocionais, demonstra aumento de volume, correlacionando-se a intensidade de episódios maníacos e depressivos;

  1. Córtex pré-frontal

Associado ao controle inibitório e tomada de decisões, exibe reduções volumétricas;

  1. Anomalias na substância branca cerebral, alterações nos núcleos subcorticais (corpo caudado e putâmen) enfocam as disfunções na conectividade neural e na regulação do movimento e recompensa.



Correlações com Transtornos e Outras Comorbidades


Há uma interconexão entre o transtorno bipolar e outras comorbidades, ou seja, o bipolar não necessariamente só tem o transtorno afetivo bipolar, como pode ter outros transtornos e comorbidades.


Podem ser elas: Transtorno de ansiedade, outros transtornos de humor (ex: depressão unipolar), Transtorno do Espectro Obsessivo-Compulsivo (TOC), Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Controle dos Impulsos (ex:TDAH e transtorno de personalidade borderline), Doenças cardiovasculares e Substâncias e Abuso de Álcool.


A relação entre o transtorno e essas comorbidades indicam a necessidade de abordagens personalizadas que considerem a singularidade de cada indivíduo. A busca contínua pela compreensão é essencial para refinar abordagens terapêuticas, melhorar cuidados e qualidade de vida.



Papel dos Hormônios no Transtorno Bipolar


Estudos indicam que a regulação anormal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), uma área do cérebro responsável pela liberação do hormônio cortisol, que é associado ao estresse, pode desempenhar um papel de vulnerabilidade ao TB.


A resposta do HPA a eventos estressantes pode ser exacerbada no indivíduo bipolar, levando a flutuações no nível do cortisol, afetando a instabilidade emocional.


Há um interesse crescente em saber como os hormônios sexuais estrogênio e testosterona influenciam o transtorno bipolar. Em mulheres, as variações hormonais ao longo do ciclo menstrual foram relacionadas a mudanças nos padrões de episódios.



Microbioma Intestinal e Cérebro


É conhecido que há uma relação complexa entre o microbioma intestinal e o cérebro, chamado de eixo intestino-cérebro. A disbiose, que representa um desequilíbrio no microbioma, é um fator de interesse. A interação complexa pode alterar a neuroquímica cerebral, em particular a serotonina e dopamina.


A manipulação do microbioma representa um campo emocionante e inovador, no entanto é preciso cautela e mais pesquisas para melhor compreensão da relação.



Conclusão


É notável que o nosso corpo é diferente de outros indivíduos sem o transtorno bipolar e isso se deve a uma complexa relação da nossa biologia, desde neurotransmissores, a genes, hormônios e microbioma intestinal.


Não coloquei todos os pontos abordados no estudo, apenas o que se faz mais fácil de compreender. O estudo por si só vale uma lida completa e se aprofunda muito mais na neurobiologia do transtorno bipolar para quem quiser saber mais. Deixarei abaixo o link para o estudo.


Link para o estudo (basta clicar na opção PDF para baixar o artigo): https://bjihs.emnuvens.com.br/bjihs/article/view/1166

quarta-feira, 14 de maio de 2025

A importância do sono para quem tem bipolaridade



Se existe algo que parece simples, mas que pode mudar completamente o curso de um dia, ou de uma crise, para quem tem transtorno bipolar, esse algo é o sono. Dormir bem não é apenas um hábito saudável, é uma parte fundamental do cuidado com a saúde mental, especialmente para quem vive com os altos e baixos da bipolaridade.

Sono e humor: uma ligação direta

Muitas pessoas subestimam o poder que uma noite mal dormida pode ter. Mas para quem tem transtorno bipolar, alterações no sono são um dos principais gatilhos para episódios de mania, hipomania ou depressão.

Durante a mania, é comum a pessoa sentir que precisa de poucas horas de sono ou nem dormir. Já na fase depressiva, o oposto pode acontecer: dormir demais, mas sem qualidade, ou ter insônia severa. Em ambos os casos, o desequilíbrio do sono piora o estado emocional.

Ficar acordado por muito tempo, inverter o ciclo do sono ou ter noites repetidas de sono ruim pode, em pessoas com bipolaridade, provocar ou intensificar episódios maníacos ou hipomaníacos. Isso porque a falta de descanso afeta diretamente áreas do cérebro responsáveis pela regulação das emoções, do julgamento e da impulsividade.

Muitas vezes, uma pessoa está estável há meses, mas uma sequência de noites mal dormidas, associada a estresse ou uso de substâncias, pode ser o suficiente para desencadear uma nova crise.

Sono regular é parte do tratamento

Estabelecer uma rotina de sono consistente não é um capricho, é uma necessidade terapêutica. Psiquiatras e psicólogos frequentemente recomendam horários fixos para dormir e acordar, ambientes calmos antes de dormir e até práticas de higiene do sono como parte do plano de estabilização.

Algumas orientações básicas são:

  • Evitar telas (celular, TV, computador) pelo menos 1 hora antes de dormir.

  • Reduzir o consumo de cafeína e álcool, principalmente no fim do dia.

  • Criar um ambiente escuro, silencioso e confortável no quarto.

  • Tentar acordar e dormir nos mesmos horários todos os dias, incluindo fins de semana.

Esses hábitos simples ajudam o corpo a entender que é hora de descansar e, com o tempo, promovem noites mais restauradoras.

Sono como sinal de alerta

Alterações no sono muitas vezes antecedem uma crise. Dormir pouco demais e se sentir "elétrico", com a mente acelerada, pode ser um sinal de mania a caminho. Já a vontade constante de dormir, mesmo após horas na cama, pode indicar uma fase depressiva se aproximando.

Por isso, prestar atenção nos padrões de sono pode ser uma forma de se antecipar aos episódios.

Conclusão

O sono é um dos pilares da saúde mental, especialmente para quem vive com transtorno bipolar. Cuidar do sono é cuidar do humor e da estabilidade.

Mais do que um luxo, dormir bem é um ato de autocuidado e, no caso do cérebro bipolar, é também uma ferramenta de proteção e equilíbrio.


quarta-feira, 7 de maio de 2025

Bipolaridade e relacionamentos: como afeta quem está ao redor - Relato pessoal



Viver com bipolaridade é, muitas vezes, viver num mundo interno instável e intenso. Porém, isso afeta não somente o bipolar, mas também as pessoas ao redor. Parceiros(as), familiares, amigos, colegas de trabalho também são afetados, em diferentes graus, as oscilações de humor e comportamento desta condição.

Já comentei que na minha adolescência eu vivia uma angústia e chorava sempre. Isso acontecia, geralmente, durante a aula. Eu estudei o ensino médio num colégio de tempo integral, ou seja, manhã e tarde, portanto passava mais tempo estudando do que em casa durante a semana.


Durante esses três anos, muitas vezes eu começava a chorar do nada e por consequência isso mobilizava meus colegas de classe e professores. Todos eram muito solidários comigo, acho que entendiam que eu não fazia para chamar atenção, ou pelo menos nunca demonstraram algo contrário. Sou grata por sempre terem me acolhido.


Quando saí do ensino médio, as crises de choro diminuíram e abriram espaço a uma eu estressada e cansada o tempo todo. Chegava da faculdade e me trancava no quarto, não queria falar com ninguém de casa, só com as pessoas que conhecia na internet e nem sempre estava de bom humor para lidar com eles também. Na verdade, nunca parecia que eu estava bem.


Quando minha mãe foi demitida e voltou a morar comigo e minha avó, nós duas dificilmente entrávamos em um acordo, estávamos sempre em conflito. Depois que iniciei o tratamento para bipolaridade, as coisas começaram a se acalmar, porém vez ou outra eu ainda dava uma resposta atravessada quando tava em dias poucos amigáveis. 


Nos primeiros meses do meu atual namoro também houve momentos em que meu humor oscilava, eu descontava sem querer no meu namorado. Eram coisas como ele falar algo inofensivo e eu interpretar de maneira agressiva ou chorosa.


Cansaço emocional e medo constante


Hoje que estou menos instável, sei que eram situações que não precisava virar algo maior, mas na hora nosso julgamento fica nublado. Cada vez que eu tratava alguém mal, ou que me sentia mal por algo que aconteceu devido as minhas mudanças de humor, eu sabia que tinha algo de errado, pois não acontecia dentro do meu controle.


Nós vivemos esse medo de que as pessoas vão se cansar de nós e que somos um estorvo. Lembro-me de me perguntar se aquilo era quem eu realmente era, se fazia parte da minha personalidade.


Conclusão


Relações saudáveis são possíveis, mesmo com o transtorno bipolar em cena. Mas para isso é preciso entendimento mútuo, boa comunicação e tratamento adequado.



Música de hoje: ANAVITÓRIA - Agora Eu Quero Ir